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quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Direito a ter Direitos: Hannah Arendt e a Constituição Brasileira

O objetivo da presente postagem é divulgar um artigo pouco conhecido da Constituição Federal de 1988 e que serve para estimular o conhecimento do Texto Constitucional. Trata-se do artigo 64, contido na Parte Provisória de nossa Constituição, também conhecida como ADCT (Ato das Disposições Constitucionais Transitórias), e que tem o seguinte conteúdo:
Art. 64. A Imprensa Nacional e demais gráficas da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, da administração direta ou indireta, inclusive fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, promoverão edição popular do texto integral da Constituição, que será posta à disposição das escolas e dos cartórios, dos sindicatos, dos quartéis, das igrejas e de outras instituições representativas da comunidade, gratuitamente, de modo que cada cidadão brasileiro possa receber do Estado um exemplar da Constituição do Brasil.
É importante lembrar que o ADCT também integra a Constituição e possui força normativa, o que faz com seja pacífica a sua eficácia e exigibilidade em concreto.

Percebe-se que houve uma preocupação específica de tentar promover um maior contato dos cidadãos com sua Lei Maior, permitindo, em especial, o conhecimento dos direitos fundamentais dispostos no Texto Constitucional. Podemos lembrar, no caso, de uma famosa frase atribuída a Hannah Arendt, que reforça a necessidade de que todos saibam que têm o "direito a ter direitos", ou seja, o pressuposto para que seja efetivamente possível falar em cidadania residiria no conhecimento dos direitos por parte de todos.

Vale reforçar o fato de que Hannah Arendt costuma ser muito citada no Brasil na área dos Direitos Humanos e dos Direitos Fundamentais. Para uma ideia inicial a propósito do seu pensamento, segue link que conduz ao interessante artigo "A Reconstrução dos Direitos Humanos: a contribuição de Hannah Arendt", de autoria do Professor Celso Lafer, publicado na Revista Estudos Avançados 11 (30) 1997: http://www.scielo.br/pdf/ea/v11n30/v11n30a05.pdf).

Ao preparar o presente post lembrei de antigos debates de que seria muito interessante que todos os estudantes tivessem ao menos noções básicas de Direito Constitucional durante o ensino médio, o que estimularia, certamente, um fortalecimento do sentimento de cidadania em nosso País. Embora seja possível notas alguns avanços após duas décadas de vigência da Constituição - o que se reflete, por exemplo, no crescimento progressivo da consciência dos direitos e o conseqüente recurso ao Poder Judiciário como forma de satisfação - é fácil constatar que a sociedade brasileira ainda se encontra longe do patamar de garantia da dignidade da pessoa humana, expressamente apontada como fundamento do Estado no artigo 1º, inciso III, da CF/88.

Em síntese, acredito que podemos enxergar uma relação entre a noção de cidadania de Hannah Arendt e o conteúdo do art. 64 do ADCT da nossa Constituição, na medida em que o conhecimento efetivo do teor da Lei Maior deve funcionar como o pressuposto do desenvolvimento de uma consciência cidadã, a qual deve servir como ferramenta de alcance dos objetivos constitucionais e, em especial, dos Direitos Fundamentais. Contudo, a leitura do artigo 3º da Constituição revela que ainda temos uma longa estrada a percorrer.

Guia de Direito Constitucional

Caros amigos,

Aproveito a ocasião para compartilhar uma novidade que encontrei no site do STF. Trata-se do "Guia de Direito Constitucional", tópico que reúne uma série de informações interessantes sobre eventos, institutos de pesquisa, periódicos, etc, voltados para o aprofundamento do Direito Constitucional.

Para quem tiver interesse, segue o link extraído da página do Tribunal que serve como instrumento de acesso ao material mencionado:

http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=bibliotecaConsultaProdutoBibliotecaGuiaDC&pagina=principal

Espero que gostem! :)

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Constituição Não-Escrita?

Um dos primeiros temas enfrentados em um curso de Teoria Constitucional envolve a classificação das Constituições. Após citar diversos critérios, a doutrina brasileira costuma diferenciar dois tipos de Constituição quanto à forma: escritas e não escritas.

Vale a pena transcrever alguns trechos para demonstrar o que alguns autores pensam a propósito da definição mencionada:

1. Dirley da Cunha Júnior: "(...) Constituição escrita, ou instrumental, é aquela cujas normas - todas escritas - são codificadas e sistematizadas em texto único e solene, elaborado racionalmente por um órgão constituinte. Vale dizer, cuida-se da Constituição em que as suas normas são documentadas em um único instrumento legislativo, com força constitucional (...). Constituição não-escrita, ou costumeira, é aquela cujas normas não estão plasmadas em texto único, mas que se revelam através dos costumes, da jurisprudência e até mesmo em textos constitucionais escritos, porém esparsos, como é exemplo a Constituição da Inglaterra (...)" (Curso de Direito Constitucional. 3 ed. revista, ampliada e atualizada. Salvador: JusPODIVM, 2009, pp. 116-117).

2. Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho e Paulo Gustavo Gonet Branco: "(...) Quanto à forma - uma classificação cuja utilidade parece restringir-se a contemplar a singularidade da experiência constitucional inglesa -, as constituições são escritas ou não escritas, conforme se achem consolidadas em texto formal e solene, ou se baseiem em usos e costumes, conveções e textos esparsos, bem assim na jurisprudência sedimentada em torno desses elementos de índole constitucional (...)" (Curso de Direito Constitucional. 2 ed. revista e atualizada. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 15).

3. Luís Roberto Barroso: "(...) Quanto à forma. Tal classificação diz respeito à forma de veiculação das normas constitucionais. Sob esse critério, as Constituições podem ser: a) escritas - quando sistematizadas em um texto único, de que é exemplo pioneiro a Constituição americana; ou b) não escritas - quando contidas em textos esparsos e/ou costumes e convenções sedimentados ao longo da história, como é o caso, praticamente isolado, da Constituição inglesa" (Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 80).

4. Manoel Jorge e Silva Neto: "(...) Quanto à forma podem ser consideradas escritas e não escritas. Escritas são as constituições cuja disciplina da vida do Estado é inserida completamente em texto escrito. Não-escrita é a constituição que se ampara nos costumes e na jurisprudência (...)" (Curso de Direito Constitucional. 4 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 39).

5. Kildare Gonçalves Carvalho: "(...) 3. quanto à forma: Constituições costumeiras ou históricas e Constituições escritas. Costumeiras ou históricas são as Constituições formadas por usos e costumes válidos como fontes de direito, como, por exemplo, as Convenções da Constituição, que se referem à reunião anual do Parlamento, à demissão do Gabinete, à dissolução da Câmara dos Comuns, na Inglaterra. Acentue-se, contudo, que há na Constituição inglesa normas escritas que compõem a Constituição histórica. Embora se faça referência à Constituição inglesa, trata-se da Constituição do Reino Unido, que vige na Inglaterra, País de Gales, Escócia e Irlanda do Norte. (...) Escritas são as Constituições cujas normas se acham expressas em um ou vários documentos escritos (...)" (Direito Constitucional. 15 ed. rev. atual. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2009, p. 291).

Após o exame dos autores mencionados pode-se perceber que o critério distintivo reside na organização ou não dos temas constitucionais em um texto único. Sendo assim, podemos chegar a conclusão de que talvez fosse melhor, para facilitar a compreensão, substituir a nomenclatura por constituições sistematizadas ou não sistematizadas. Acredito que geraria menor confusão do que utilizar a expressão não-escrita, que pode conduzir a conclusões equivocadas no momento do aprendizado.

Por fim, uma pergunta interessante formulada em sala de aula e que merece um atenção especial: será que haveria algum outro exemplo de Constituição não-escrita que não a inglesa?

Um dos autores citados responde a essa pergunta em uma nota de rodapé! O Professor Luís Roberto Barroso, na obra citada acima, menciona que Israel e Nova Zelândia seriam outros exemplos de países dotados de Constituição não-escrita (cf. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 80, nota de rodapé nº 20).