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domingo, 5 de agosto de 2012

Poder Constituinte Originário: Ilimitado e Incondicionado?

Caros amigos,

Gostaria de compartilhar com vocês uma reflexão que costumo dividir com os alunos em sala de aula a respeito da temática do Poder Constituinte, assunto de enorme relevância no âmbito da Teoria Constitucional.

É bem comum encontrar definições na doutrina a respeito das características do chamado Poder Constituinte Originário, reconhecido habitualmente pelos autores como o Poder responsável pela inauguração de uma nova ordem jurídica, que passa a servir como parâmetro de validade geral no ordenamento. Normalmente, então, define-se o PCO como inicial, ilimitado e incondicionado, como podemos perceber dos trechos extraídos de algumas obras selecionadas, nos termos abaixo expostos:

1. "O poder constituinte originário se reveste das seguintes características: é inicial, pois não se funda em nenhum poder e porque não deriva de uma ordem jurídica que lhe seja anterior. É ele que inaugura uma ordem jurídica inédita, cuja energia geradora encontra fundamento em si mesmo. A respeito, acentua Manoel Gonçalves Ferreira Filho: "o poder constituinte edita atos juridicamente iniciais, porque dão origem, dão início, à ordem jurídica, e não estão fundados nessa ordem, salvo o direito natural"; é autônomo, porque igualmente não se subordina a nenhum outro; e é incondicionado, porquanto não se sujeita a condições nem a fórmulas jurídicas para sua manifestação" (CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito Constitucional. 15 ed. rev. atual. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2009, pp. 266-267);

2. "Didaticamente, podemos apresentar as seguintes características do Poder Constituinte Originário:
a) É Inicial, porque inaugura uma nova ordem jurídica, rompendo com a anterior (...)
b) É Autônomo, porque só ao seu exercente cabe fixar os termos em que a nova Constituição será estabelecida e qual o Direito deverá ser implantado.
c) É Ilimitado, porque é soberano e não sofre qualquer limitação prévia do Direito, exatamente pelo fato de que a este preexiste. Chame-se a atenção para o fato de que a doutrina moderna vem rejeitando esta compreensão (...).
d) É Incondicionado, porque não se sujeita a nenhum processo ou procedimento prefixado para a sua manifestação. Pode agir livremente, sem condições ou formas pré-estabelecidas. Não está condicionado a nenhuma fórmula prefixada (...).
e) É Permanente, pois não se exaure com a elaboração da Constituição. Ele continua presente, em estado de hibernação, podendo a qualquer momento ser ativado pela vontade sempre soberana do seu titular" (CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de Direito Constitucional. 3 ed. rev. ampl. e atual. Salvador: JusPODIVM, 2009, pp. 243-245);

3. "Em suma, podemos apontar três características básicas que se reconhecem ao poder constituinte originário. Ele é inicial, ilimitado (ou autônomo) e incondicionado. É inicial, porque está na origem do ordenamento jurídico. É o ponto de começo do Direito. Por isso mesmo, o poder constituinte não pertence à ordem jurídica, não está regido por ela. Decorre daí outra característica do poder constituinte originário - é ilimitado. Se ele não se inclui em nenhuma ordem jurídica, não será objeto de nenhuma ordem jurídica. O Direito anterior não o alcança nem limita a sua atividade. Pode decidir o que quiser. De igual sorte, não pode ser regido nas suas formas de expressão pelo Direito preexistente, daí se dizer incondicionado". (MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 198).

Entretanto, qual a real diferença entre os termos ilimitado e incondicionado? Costumo, então, perguntar aos alunos em sala para fomentar o debate: Será que existe algum tipo de limite que não represente, também, uma condição? Vale dizer, também, que após rápida consulta ao Dicionário Aurélio, são estas as definições que aparecem para as expressões: "ilimitado: Adj. Sem limites, imenso, indefinido (...)"; "incondicional: Não sujeito a condições; total, absoluto, irrestrito, integral; incondicionado (...)".

Há, portanto, intensa proximidade entre ambos os termos.

A impressão que tenho é que poderiam, então, ser utilizados como sinônimos, já que aparentam traduzir, em ambos os casos, a ausência de condicionamento na expressão normativa deste Poder, ao menos de acordo com a visão preponderante na doutrina brasileira a respeito do tema.

Acredito ser melhor, então, conceber o Poder Constituinte Originário como inicial e ilimitado/incondicionado, sendo os esforços doutrinários dirigidos não para apartar caracteres tão parecidos, mas sim para compreender outros problemas relacionados ao tema do Poder Constituinte, como a sua natureza, por exemplo, ou mesmo a sua inserção no âmbito das discussões de Direito Internacional.

segunda-feira, 23 de abril de 2012

Dois Artigos Blog Os Constitucionalistas

Caros amigos,

Gostaria de compartilhar com vocês artigos que escrevi recentemente e que correspondem a dois momentos específicos dos estudos que tenho feito sobre controle de constitucionalidade até hoje. Ambos foram publicados em meio impresso, e foram também divulgados por meio do excelente blog Os Constitucionalistas mais recentemente.

O primeiro trata sobre Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental: qual a saída do labirinto?. Corresponde, em essência, a um capítulo que desenvolvi na dissertação do Mestrado, e que usei como base para mostrar o quanto, em minha visão, o controle brasileiro de constitucionalidade seria mais completo caso a ADPF não existisse e as possibilidades de manuseio do seu objeto fizessem parte da ADI. Trata-se de opinião que sustento há alguns anos, sendo que serve de primeiro contato com o assunto para quem tiver interesse em aprofundar a questão.

Escrevi, também, outro artigo intitulado Incidente de Inconstitucionalidade e a Súmula Vinculante nº 10: Avanço ou Retrocesso?. A proposta, neste breve trabalho, é mostrar um pouco das impressões que tenho hoje no campo do Incidente de Inconstitucionalidade, sendo o primeiro passo para o desenvolvimento das pesquisas do Doutorado. Fiquem à vontade, mais do que nunca, para apontar sugestões e críticas, pois a ideia é evoluir o tratamento do assunto com o objetivo de preparar a redação da tese, que apenas deve ficar pronta no final de 2013...

Sendo assim, espero que gostem dos trabalhos! Fiquem à vontade para formular críticas sobre as pesquisas, o que servirá, para mim, como combustível para o avanço do estudo.

Forte abraço e boa leitura!

segunda-feira, 5 de março de 2012

O STF julga muitos processos?

Caros amigos,

O STF divulgou, no final do ano de 2010, uma notícia comemorando um fato que veio a ser chamado de histórico pelo Presidente do Tribunal: pela primeira vez na história tramitaram na mais importante Corte  brasileira menos de 90 mil processos! (Fonte: Balanço STF 2010) Trata-se de uma excelente notícia, e que foi gerada por conta da atuação de novos mecanismos de racionalização das atividades do Tribunal, como por exemplo a Repercussão Geral no Recurso Extraordinário, prevista no artigo 102, §3º da Constituição Federal e regulamentada pela Lei nº 11.418/06.


Mais recentemente, no ano de 2011, foi divulgado o novo Relatório Institucional do STF, atualizando o acervo da Corte, assim como focando a redução gradativa da quantidade de causas por ela apreciadas. No ano de 2011 tramitaram no Tribunal 67.395 processos, significando redução de 25,3% da quantidade em relação ao ano de 2010 (Fonte: Relatório Gestão 2011 STF , em especial a página 36).

Tais mudanças reforçam uma ideia simples: o STF deve voltar suas atenções apenas para os casos mais importantes, deixando de ser acessado a qualquer tempo e em qualquer hipótese. Muito embora pareça uma conclusão óbvia, nem sempre foi a prática da Corte Brasileira, sendo notáveis diversos casos de menor relevância que chegaram à apreciação do Tribunal...

Uma menor quantidade de processos servirá para agilizar e aperfeiçoar a tutela jurisdicional, permitindo o surgimento de decisões mais ricas e que auxiliem a coesão e homogeneidade que se espera do papel da nossa Suprema Corte. A lógica que preside, então, a redução da quantidade de processos contribui, evidentemente, para a elevação da qualidade dos julgamentos esperados.

O curioso é que ainda temos um longo caminho a enfrentar caso façamos um comparativo com a quantidade de processos julgada por outros Tribunais do mundo que estão em patamar diferenciado de aperfeiçoamento processual. Sendo assim, tive a curiosidade de pesquisar, rapidamente, a quantidade de processos em tramitação em dois Tribunais de cúpula de Países que influenciam de modo decisivo o Direito Constitucional brasileiro na atualidade: os Estados Unidos da América e a Alemanha, com dados expostos a seguir:

Estados Unidos da América:

A Suprema Corte Americana exerce papel de influência histórica em relação ao nosso Supremo, sendo que o próprio processo de seleção dos integrantes do nosso Tribunal teve por inspiração o mecanismo de composição da Suprema Corte. Vale lembrar que, em ambos os casos, a indicação do nome do novo integrante da Corte é responsabilidade do Presidente da República, sendo necessária a aprovação por parte do Senado Federal. O curioso é que a Suprema Corte possui um destacado poder de filtragem das causas que serão por ela examinadas. Informação extraída da página do Tribunal na internet mostra que aproximadamente 100 processos são examinados no âmbito do calendário forense, ocasião em que é permitida a sustentação oral por advogados e realização de sessão plenária (Fonte: Suprema Corte EUA). No dia 14 de maio de 2009, ao realizar uma visita ao STF brasileira, o Ministro da Suprema Corte dos EUA, Antonin Scalia, mostrou-se impressionado com a quantidade de processos julgados pelo nosso STF, já que, em seu País, "(...) a média de julgamento é de 80 casos por ano (...)" (Fonte: Notícias STF e Reconhecimento Internacional do STF).

Evidentemente que devemos levar em consideração, também, tratar-se de sistema jurídico que possui o precedente como fonte da mais alta relevância, sendo distinto, portanto, do sistema romano-germânico que vigora, com algumas modificações, no Brasil. No sistema jurídico norte-americano torna-se relevante notar, portanto, que são construídos mecanismos que propiciam à Suprema Corte maior grau de independência para selecionar as causas que mereceçam a sua apreciação imediata, algo de certo modo estranho caso comparado ao sistema jurídico brasileiro. Mas, de qualquer forma, chama a atenção a reduzida quantidade de processos examinados pela Corte.

Alemanha:

Imagem do TC da Alemanha (Copyright © 2011 BVerfG)
O órgão que exerce o papel de controle de constitucionalidade em âmbito federal é o Tribunal Constitucional Federal, cujas construções jurisprudenciais têm influenciado o STF no Brasil em diversos casos. Pois bem. Pesquisa realizada no site do TCF aponta um histórico da quantidade de processos tramitando na Corte, sendo que em 2009 nela tramitavam 6.508 ações (Fonte: TCF Alemanha Processos).

Fica evidente, então, o quanto o nosso caminho em prol de uma redução significativa da quantidade de processos ainda é longo, sendo que este é apenas um dos fatores questionáveis para que haja aperfeiçoamento verdadeiro do nosso STF...