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quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Livro Estado de Direito e Ativismo Judicial

Caros amigos,

O motivo da presente postagem é compartilhar com todos vocês uma boa notícia!

Acaba de ser publicada a obra "Estado de Direito e Ativismo Judicial" (Editora Quartier Latin) a qual contém uma série de artigos selecionados que foram apresentados oralmente no XVIII Encontro Nacional de Direito Constitucional, realizado em 2009. O Evento dedicou uma Oficina voltada para a inscrição de trabalhos elaborados por Mestrandos e Doutorandos que fossem correlatos aos debates acerca do ativismo judicial, um dos assuntos mais discutidos na atualidade no campo do Direito Constitucional.

Tive a oportunidade de apresentar um artigo no Evento a propósito da arguição de descumprimento de preceito fundamental no contexto do Estado de Direito e do próprio ativismo, fenômeno que se refere ao incremento da atuação do Poder Judiciário em demandas que deveriam ser, em tese, solucionadas pelos demais Poderes.

Há duas ideiais básicas no artigo publicado: (1) Defender uma simplificação do controle concentrado de constitucionalidade no Brasil, o qual deveria contar, em verdade, com apenas a ação direta de inconstitucionalidade genérica com objeto enriquecido, dispensando a existência autônoma da arguição de descumprimento de preceito fundamental - vale lembrar, inclusive, que tratei do tema em postagem mais antiga aqui no blog; (2) Defender, ademais, uma revalorização da posição institucional a ser ocupada pelo Poder Legislativo, o qual deve ter a sua atuação aperfeiçoada e não simplesmente negligenciada ante a tolerância com os avanços realizados pelos demais Poderes.

Procurei mostrar o quanto o sistema constitucional busca assegurar o exercício da função normativa pelo Poder Legislativo, e o quanto, também, o desprestígio do Legislativo contribui para um desequilíbrio na compreensão da relação entre os Poderes, sendo notável atualmente a preponderância do Poder Judiciário, desencadeando o tão comentado ativismo judicial.

Segue, abaixo, imagem do Convite Eletrônico do Lançamento, o qual ocorreu no Salão Nobre da Faculdade de Direito da USP na manhã do dia 22 de setembro de 2010:


Espero que gostem da leitura e estou à disposição para qualquer crítica ou sugestão!

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Municício de Dourados e Intervenção

Um caso recente chamou a atenção da comunidade jurídica brasileira pelas suas peculiaridades. Trata-se da situação de grave crise institucionalizada no Município de Dourados, Estado de Mato Grosso do Sul. Por conta de diversas denúncias de corrupção e da criação de um suposto regime de fraude em licitações, houve o afastamento do Prefeito do Município, Ari Valdecir Artuzi, do Vice-Prefeito, Carlinhos Cantor, do Presidente da Câmara de Vereadores, Sidlei Alves,  assim como de diversos Vereadores, o que fez com que o Tribunal de Justiça nomeasse um Juiz para administrar a cidade temporariamente!


A notícia teve notoriedade nacional, sendo retratada em diversos meios de comunicação, como vocês podem encontrar nos links expostos a seguir:Escândalo em Dourados (Estadão), Juiz-Prefeito troca fechaduras da Prefeitura de Dourados (Último Segundo), Juiz toma posse como Prefeito em Dourados (Consultor Jurídico), OAB questiona nomeação de Juiz Prefeito em Dourados (Dourados Agora).

Acredito que haveria um instrumento propício para permitir o enfrentamento da situação no campo do Direito Constitucional. Tecnicamente falando, nossa Constituição prevê o instituto da intervenção, marcado pela extrema excepcionalidade, e que apenas deve ser usado quando estiver em risco algum aspecto da Federação brasileira. Sendo assim, é possível considerar a intervenção uma exceção na Federação, como disciplinam os artigos 34 a 36 da CF/88.

Contudo, não se admite no Brasil a intervenção da União em Município, a não ser que esteja localizado em Território Federal. Não temos Territórios Federais no Brasil na atualidade - muito embora novos possam ser criados - o que faz com que uma solução constitucionalmente recomendada para o caso de Dourados seja uma intervenção estadual.

Sendo assim, seria possível que fosse deflagrado um processo de intervenção estadual em Dourados. Por exemplo, seria possível que, primeiramente, o Procurador Geral de Justiça deflagrasse a Ação, que seria processada e julgada pelo Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul. Posteriormente, caso o TJ reconhecesse a existência dos pressupostos que ensejam a intervenção, requisitaria ao Governador do Estado que a decretasse, suprimindo temporariamente a autonomia política do Município com a nomeação de um interventor. Todo o procedimento teria por inspiração a Ação Direta de Inconstitucionalidade Interventiva, que existe no plano federal e que pode ser usada como exemplo prático, sendo realizadas as adaptações necessárias.

Vale conferir o que determina o artigo 35 da Constituição Federal a respeito. Pus em negrito o inciso IV do artigo 35, disposto abaixo:

Art. 35. O Estado não intervirá em seus Municípios, nem a União nos Municípios localizados em Território Federal, exceto quando:


I - deixar de ser paga, sem motivo de força maior, por dois anos consecutivos, a dívida fundada;
II - não forem prestadas contas devidas, na forma da lei;

III – não tiver sido aplicado o mínimo exigido da receita municipal na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000)

IV - o Tribunal de Justiça der provimento a representação para assegurar a observância de princípios indicados na Constituição Estadual, ou para prover a execução de lei, de ordem ou de decisão judicial.

É interessante associar o conteúdo da Constituição Federal com o que determina a Constituição do Estado do Mato Grosso do Sul, sendo que, neste caso, vale a pena examinar o que dispõe o artigo 11 da Constituição Estadual, que é bastante similar ao Texto Constitucional Federal. Grifei, especificamente, o artigo 11, inciso IV, e o artigo 12, inciso II, abaixo transcritos:

Da Intervenção
Art. 11. O Estado não intervirá nos Municípios, salvo quando:
 
I - deixar de ser paga, sem motivo de força maior, por dois anos consecutivos, a dívida fundada; 
II - não forem prestadas contas nos termos da lei; 
III - não tiver sido aplicado o mínimo exigido da receita municipal na manutenção e no
desenvolvimento do ensino;
IV - o Tribunal de Justiça der provimento a representação para assegurar a observância de princípios indicados nesta Constituição ou para prover a execução de lei, de ordem ou de decisão judicial. 

Art. 12. A intervenção no Município dar-se-á por decreto do Governador:
 
I - mediante representação do Tribunal de Contas do Estado, nos casos dos incisos I, II e III do art. 11; 
II - mediante requisição do Tribunal de Justiça, no caso do inciso IV do art. 11.

Em síntese: creio que o caso do Município de Dourados pode ser citado como um excelente exemplo em que caberia, em tese, uma intervenção estadual, medida de exceção na Federação brasileira que deve ser usada para gerir momentos de grave crise institucionalizada, em havendo a ofensa de princípios constitucionais dotados de grande relevância no caso concreto.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

A Constituição de 1988 e o Mercosul

Uma dúvida que pode surgir aos estudiosos no campo do Direito Constitucional e Internacional reside na busca de argumentos normativos para sustentar a integração entre povos distintos. Neste sentido, existe norma expressa determinando a integração entre o Brasil e os povos da América Latina, o que pode ser encontrado examinando o conteúdo do parágrafo único do art. 4º da Constituição Federal de 1988.

Sendo assim, pode-se dizer que a celebração do Tratado de Assunção, - responsável por fixar as bases do Mercosul e assinado no dia 26 de março de 1991 - encontra lastro normativo na CF/88, a qual veio a se preocupar com diretrizes de política internacional na matéria. Pode-se citar, a propósito, ainda, todo o conjunto de princípios que devem reger as relações internacionais do Estado brasileiro, os quais estão dispostos justamente no art. 4º da CF/88.

Uma pergunta muito interessante que foi formulada por um aluno em sala de aula nos conduz , contudo, a um outro questionamento: será que os demais Estados Partes que integram o Mercosul também trouxeram normas constitucionais específicas versando sobre a integração entre os povos da América Latina?

Primeiramente, cabe relembrar quais são os Estados Partes que integram o Mercosul. Atualmente, pode-se dizer que são o Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, tendo por nomenclatura oficial, respectivamente, República Federativa do Brasil, República Argentina, República do Paraguai e República Oriental do Uruguai. No Portal eletrônico oficial dedicado ao assunto existem, inclusive, informações mencionando o fato de que a Venezuela seria um Estado Parte em processo de adesão (Fonte: http://www.mercosul.gov.br/perguntas-mais-frequentes-sobre-integracao-regional-e-mercosul-1/sobre-integracao-regional-e-mercosul/)

Sendo assim, examinemos o que dispõem as Constituições da Argentina, Paraguai, Uruguai e Venezuela acerca do tema da integração regional:

1. Argentina (1853, após reforma realizada em 22 de agosto de 1994)

É possível encontrar dispositivos na Constituição Argentina retratando o nítido interesse no tema da integração regional, e disciplinando, inclusive, competência do Congresso para realizar a aprovação de tratados voltados para a aproximação da América Latina, como fica claro pelo exame do artigo 75, 24:

24. Aprobar tratados de integración que deleguen competencia y jurisdicción a organizaciones supraestatales en condiciones de reciprocidad e igualdad, y que respeten el orden democrático y los derechos humanos. Las normas dictadas en su consecuencia tienen jerarquía superior a las leyes.
La aprobación de estos tratados con Estados de Latinoamérica requerirá la mayoría absoluta de la totalidad de los miembros de cada Cámara. En el caso de tratados con otros Estados, el Congreso de la Nación, con la mayoría absoluta de los miembros presentes de cada Cámara, declarará la conveniencia de la aprobación del tratado y sólo podrá ser aprobado con el voto de la mayoría absoluta de la totalidad de los miembros de cada Cámara, después de ciento veinte días del acto declarativo.
La denuncia de los tratados referidos a este inciso, exigirá la previa aprobación de la mayoría absoluta de la totalidad de los miembros de cada Cámara.
Portanto, é possível notar o interesse na promoção da integração regional. Chama atenção a determinação específica no sentido de que haja o respeito à ordem democrática e direitos humanos, assim como a expressa previsão de que os tratados terão hierarquia superior às demais leis.

2. Paraguai (1992)

Pode-se encontrar artigo dedicado ao tema da integração em um sentido mais geral, como se percebe do exame do artigo 145 da Constituição do Paraguai:

Artículo 145 - Del Orden Juridico Supranacional
La República del Paraguay, en condiciones de igualdad con otros Estados, admite un orden jurídico supranacional que garantice la vigencia de los derechos humanos, de la paz, de la justicia, de la cooperación y del desarrollo, en lo político, económico, social y cultural. Dichas decisiones sólo podrán adoptarse por mayoría absoluta de cada Cámara del Congreso.

3. Uruguai (1967)

Há artigo específico na Constituição do Uruguai versando sobre o estímulo da integração regional, como pode ser constatado no artigo 6º do referido Texto Constitucional:

Artículo 6º.- En los tratados internacionales que celebre la República propondrá la cláusula de que todas las diferencias que surjan entre las partes contratantes, serán decididas por el arbitraje u otros medios pacíficos. La República procurará la integración social y económica de los Estados Latinoamericanos, especialmente en lo que se refiere a la defensa común de sus productos y materias primas. Asimismo, propenderá a la efectiva complementación de sus servicios públicos.

Sendo assim, percebe-se intuito expresso de integração social e econômica com a América Latina.

4. Venezuela (24 de março de 2000)

Há disposição bem específica versando sobre a integração latino-americana no artigo 153 da Constituição da Venezula em Seção destinada a tratar das Relações Internacionais, nos termos do disposto abaixo:

Artículo 153. La República promoverá y favorecerá la integración latinoamericana y caribeña, en aras de avanzar hacia la creación de una comunidad de naciones, defendiendo los intereses económicos, sociales, culturales, políticos y ambientales de la región. La República podrá suscribir tratados internacionales que conjuguen y coordinen esfuerzos para promover el desarrollo común de nuestras naciones, y que garanticen el bienestar de los pueblos y la seguridad colectiva de sus habitantes. Para estos fines, la República podrá atribuir a organizaciones supranacionales, mediante tratados, el ejercicio de las competencias necesarias para llevar a cabo estos procesos de integración. Dentro de las políticas de integración y unión con Latinoamérica y el Caribe, la República privilegiará relaciones con Iberoamérica, procurando sea una política común de toda nuestra América Latina. Las normas que se adopten en el marco de los acuerdos de integración serán consideradas parte integrante del ordenamiento legal vigente y de aplicación directa y preferente a la legislación interna.
O Preâmbulo da Constituição da Venezuela comenta o interesse em promover a integração latino-americana com base no princípio da não intervenção e da autodeterminação dos povos, o que também reforça a admissibilidade da relação com povos dotados de características históricas e culturais comuns.

5. Conclusão

Portanto, pode-se concluir que em todas as Constituições dos Estados Partes do Mercosul existe o interesse no aprofundamento dos laços de integração, sendo algumas mais aproximadas do conteúdo do artigo 4º, parágrafo único, da Constituição Brasileira de 1988. O que se espera, evidentemente, é que, com o passar dos anos, seja possível dar passos mais substanciais no sentido do fortalecimento da união, de modo a proporcionar maior desenvolvimento dos Estados Partes, e havendo maior respeito aos valores da democracia e dos direitos humanos.

Ao escrever a presente postagem cheguei a lembrar, inclusive, de um belo filme que tem relação direta com o tema da integração latino-americana: Diários de Motocicleta, do Diretor Walter Salles. Para quem tiver interesse, segue link para entrevista com o Diretor, em sede da qual o tema é tratado de modo específico: http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u29680.shtml.