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quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Municício de Dourados e Intervenção

Um caso recente chamou a atenção da comunidade jurídica brasileira pelas suas peculiaridades. Trata-se da situação de grave crise institucionalizada no Município de Dourados, Estado de Mato Grosso do Sul. Por conta de diversas denúncias de corrupção e da criação de um suposto regime de fraude em licitações, houve o afastamento do Prefeito do Município, Ari Valdecir Artuzi, do Vice-Prefeito, Carlinhos Cantor, do Presidente da Câmara de Vereadores, Sidlei Alves,  assim como de diversos Vereadores, o que fez com que o Tribunal de Justiça nomeasse um Juiz para administrar a cidade temporariamente!


A notícia teve notoriedade nacional, sendo retratada em diversos meios de comunicação, como vocês podem encontrar nos links expostos a seguir:Escândalo em Dourados (Estadão), Juiz-Prefeito troca fechaduras da Prefeitura de Dourados (Último Segundo), Juiz toma posse como Prefeito em Dourados (Consultor Jurídico), OAB questiona nomeação de Juiz Prefeito em Dourados (Dourados Agora).

Acredito que haveria um instrumento propício para permitir o enfrentamento da situação no campo do Direito Constitucional. Tecnicamente falando, nossa Constituição prevê o instituto da intervenção, marcado pela extrema excepcionalidade, e que apenas deve ser usado quando estiver em risco algum aspecto da Federação brasileira. Sendo assim, é possível considerar a intervenção uma exceção na Federação, como disciplinam os artigos 34 a 36 da CF/88.

Contudo, não se admite no Brasil a intervenção da União em Município, a não ser que esteja localizado em Território Federal. Não temos Territórios Federais no Brasil na atualidade - muito embora novos possam ser criados - o que faz com que uma solução constitucionalmente recomendada para o caso de Dourados seja uma intervenção estadual.

Sendo assim, seria possível que fosse deflagrado um processo de intervenção estadual em Dourados. Por exemplo, seria possível que, primeiramente, o Procurador Geral de Justiça deflagrasse a Ação, que seria processada e julgada pelo Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul. Posteriormente, caso o TJ reconhecesse a existência dos pressupostos que ensejam a intervenção, requisitaria ao Governador do Estado que a decretasse, suprimindo temporariamente a autonomia política do Município com a nomeação de um interventor. Todo o procedimento teria por inspiração a Ação Direta de Inconstitucionalidade Interventiva, que existe no plano federal e que pode ser usada como exemplo prático, sendo realizadas as adaptações necessárias.

Vale conferir o que determina o artigo 35 da Constituição Federal a respeito. Pus em negrito o inciso IV do artigo 35, disposto abaixo:

Art. 35. O Estado não intervirá em seus Municípios, nem a União nos Municípios localizados em Território Federal, exceto quando:


I - deixar de ser paga, sem motivo de força maior, por dois anos consecutivos, a dívida fundada;
II - não forem prestadas contas devidas, na forma da lei;

III – não tiver sido aplicado o mínimo exigido da receita municipal na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000)

IV - o Tribunal de Justiça der provimento a representação para assegurar a observância de princípios indicados na Constituição Estadual, ou para prover a execução de lei, de ordem ou de decisão judicial.

É interessante associar o conteúdo da Constituição Federal com o que determina a Constituição do Estado do Mato Grosso do Sul, sendo que, neste caso, vale a pena examinar o que dispõe o artigo 11 da Constituição Estadual, que é bastante similar ao Texto Constitucional Federal. Grifei, especificamente, o artigo 11, inciso IV, e o artigo 12, inciso II, abaixo transcritos:

Da Intervenção
Art. 11. O Estado não intervirá nos Municípios, salvo quando:
 
I - deixar de ser paga, sem motivo de força maior, por dois anos consecutivos, a dívida fundada; 
II - não forem prestadas contas nos termos da lei; 
III - não tiver sido aplicado o mínimo exigido da receita municipal na manutenção e no
desenvolvimento do ensino;
IV - o Tribunal de Justiça der provimento a representação para assegurar a observância de princípios indicados nesta Constituição ou para prover a execução de lei, de ordem ou de decisão judicial. 

Art. 12. A intervenção no Município dar-se-á por decreto do Governador:
 
I - mediante representação do Tribunal de Contas do Estado, nos casos dos incisos I, II e III do art. 11; 
II - mediante requisição do Tribunal de Justiça, no caso do inciso IV do art. 11.

Em síntese: creio que o caso do Município de Dourados pode ser citado como um excelente exemplo em que caberia, em tese, uma intervenção estadual, medida de exceção na Federação brasileira que deve ser usada para gerir momentos de grave crise institucionalizada, em havendo a ofensa de princípios constitucionais dotados de grande relevância no caso concreto.

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