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sábado, 4 de outubro de 2014

Limites da Loucura: Interdição e Direitos Fundamentais

Caros amigos,

Recentemente, no dia 26 de setembro, participei do IV Congresso Nacional de Direito Homoafetivo e do IV Congresso Baiano de Direito das Famílias e das Sucessões, ocasião em que tive a oportunidade de falar sobre a temática dos "Limites da Loucura: Interdição e Direitos Fundamentais". O Congresso contou com várias temáticas interessantes na área, sendo que compartilho a programação a seguir para quem quiser saber mais: IV Congresso Nacional Direito Homoafetivo e IV Congresso Baiano de Direito das Famílias e Sucessões

Dentre os temas que tive a chance de comentar durante a exposição queria aqui destacar uma decisão, proferida pelo STJ, nos autos de um Recurso Especial (RESP 1306687/MT, DJe 22/04/2014), e que lidou com uma temática extremamente interessante, referente à consideração da sociopatia como causa de interdição.

Sabe-se que a sociopatia representa, como mencionado pela Ministra Relatora Nancy Andrigui, um "quadro de zona fronteiriça entre a sanidade mental e a loucura" (p. 8), caracterizando um transtorno de personalidade não identificado. O caso concreto examinado tratava de um menor, que contava, à época, com 16 anos de idade, e que praticou atos infracionais correspondentes aos crimes de homicídio, tendo cometido delitos chocantes contra os seus próprios familiares.

A questão mais intrigante do caso é a seguinte: em uma hipótese como essa, na qual existe um transtorno não identificado de personalidade, há ausência de controle por medicamentos, e, ainda por cima, existe considerável risco de que a pessoa volte a cometer infrações, seria possível decretar a sua interdição e, portanto, reconhecer que não possui aptidão para praticar atos da vida civil?

No caso concreto, o STJ, por maioria, entendeu que sim, nos termos do voto da Ministra Relatora, reconhecendo a necessidade de que o menor seja submetido a acompanhamento.

Entretanto, trata-se de um debate muito interessante, e que revela o quanto os "limites da loucura", retratados pelo artigo 1772 do Código Civil, representam uma temática jurídica de difícil explicação.

domingo, 14 de setembro de 2014

Indicação de Leitura: "Inferno", de Max Hastings

Após finalizar a leitura da obra "Inferno", de Max Hastings, fica a sensação do tamanho da grandeza e da tragédia que podem ser causadas pelos seres humanos.

A obra é dedicada a cobrir o cenário da 2ª Guerra Mundial, examinando todos os eventos da Guerra de modo impressionante, explorando não apenas as Grandes Batalhas mas também os depoimentos de pessoas comuns, tragicamente atingidas pela tragédia.

A obra é densa e completa, possuindo mais de 700 páginas, já que pretende, em um só volume, registrar os principais palcos do conflito. É dividida em 26 capítulos, iniciando pela invasão da Polônia ("A Polônia traída") e terminando com uma análise sobre "Vencedores e Vencidos", capítulo do qual pode ser extraída a seguinte passagem:

"Na cultura ocidental, é claro, o conflito continua a exercer fascínio extraordinário para gerações que nem eram nascidas quando ele ocorreu. A explicação óbvia é ter sido o maior e mais terrível evento na história humana. No vasto escopo da luta, alguns indivíduos escalaram picos de coragem e de nobreza, enquanto outros rolaram para as profundezas do mal de um modo que impressiona a posteridade. Para cidadãos pertencentes às democracias modernas, que desconhecem grandes dificuldades e perigos coletivos, as atribulações que centenas de milhões suportaram entre 1939 e 1945 quase escapam à compreensão. Praticamente todos aqueles que participaram, países ou indivíduos, fizeram concessões morais. É impossível dignificar a luta como uma simples contenda entre o bem e o mal ou comemorar racionalmente uma experiência, e até um desfecho, que impôs tanto sofrimento a tantas pessoas" (HASTINGS, Max. Inferno. O mundo em guerra 1939-1945. Tradução de Berilo Vargas. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2012, p. 697).

Ler sobre a Segunda Guerra Mundial ajuda muito a entender os acontecimentos posteriores, decisivos para uma nova compreensão sobre o Direito Constitucional, mais preocupada com o princípio da dignidade da pessoa humana, previsto no artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal de 1988.

Foi justamente a partir do final da Segunda Guerra Mundial que pudemos assistir, no âmbito do Direito Constitucional, a Constituições mais preocupadas com a dignidade, com a afirmação de princípios fundamentais, e com o predomínio do raciocínio baseado em princípios, dando mais poder para o Poder Judiciário. Embora exista polêmica a respeito, alguns autores associam o período do pós-guerra com o advento do chamado "neoconstitucionalismo".

Fica então a sugestão de uma ótima leitura, que ajuda a entender como o conflito ocorreu e quais as mais importantes lições que ainda hoje podemos dele retirar.

domingo, 10 de agosto de 2014

O que é escusa de consciência?

Uma das mais interessantes prerrogativas contidas na Constituição Federal de 1988 é a escusa de consciência, prevista no artigo 5º, inciso VIII, que preceitua o seguinte: "ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei".
Deve-se lembrar que o Brasil é um Estado Laico, tendo por parte a separação Estado e Igreja, com base, por exemplo, nos artigos , inciso VI, e 19, inciso I, ambos da Constituição Federal. Sendo assim, a escusa de consciência deve ser associada ao respeito que o Estado brasileiro devota à crença religiosa de cada um, assim como à sua convicção filosófica ou política.
A escusa de consciência acontece, portanto, quando alguém invoca a sua convicção pessoal para não cumprir uma obrigação imposta a todos, devendo então cumprir uma prestação alternativa, fixada em lei.
Segundo a doutrina, a escusa de consciência "(...) traduz forma máxima de respeito à intimidade e à consciência do indivíduo. O Estado abre mão do princípio de que a maioria democrática impõe as normas para todos, em troca de não sacrificar a integridade íntima do indivíduo" (MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 414).
Contudo, o que acontece se a pessoa invoca a escusa de consciência e, ao mesmo tempo, deixa de cumprir a prestação alternativa? Ocorrerá, neste caso, repercussão negativa no que diz respeito aos direitos políticos do cidadão. Há uma discussão a respeito, existindo duas correntes:
(1) ocorrerá a perda dos direitos políticos, opinião que conta com o apoio de doutrina significativa, sendo exemplos Bernardo Gonçalves Fernandes (FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 4 ed. Salvador: JusPODIVM, 2012, p. 695, nota de rodapé nº 79) e Gilmar Ferreira Mendes (MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 760);
(2) ocorrerá a suspensão dos direitos políticos, tendo por base o teor literal do artigo , § 2º, da Lei nº 8.231/91, que determina expressamente, no caso de recusa ou cumprimento incompleto do Serviço Alternativo, ocorra a "suspensão dos direitos políticos do inadimplente, que poderá, a qualquer tempo, regularizar sua situação mediante cumprimento das obrigações devidas".

terça-feira, 5 de agosto de 2014

Qual a diferença entre lei ordinária e lei complementar?


Uma das dúvidas mais comuns entre os alunos reside na diferença entre lei ordinária e lei complementar, ambas espécies normativas contidas nos incisos II e III do artigo59 da Constituição Federal de 1988.

A doutrina usualmente habitualmente aponta duas diferenças entre ambas, o que pode ser encontrado em diversas obras (conferir, a título exemplificativo, as seguintes: CUNHA JÚNIOR, Dirley da Cunha. Curso de Direito Constitucional. 3ª ed. Salvador: JusPODIVM, 2009, pp. 946-947; TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009, pp. 1233-1234; SILVA NETO, Manoel Jorge e. Curso de Direito Constitucional. 7ª ed. Rio de Janeiro: LUMEN JURIS, 2011, pp. 392-393; MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008, pp. 881-882; FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 4ª ed. Salvador: JusPODIVM, 2012, p. 861).

Este artigo, então, tem por finalidade apresentar didaticamente as distinções mais comuns apontadas pelos autores, expostas a seguir:

(1) o quórum de aprovação;
(2) a matéria.

Logo:

(1) Quórum de Aprovação: essa expressão é usada para especificar a quantidade de votos necessária para a aprovação de uma lei. Serve como primeiro critério distintivo entre a lei ordinária e a complementar, nos seguintes termos:

LEI COMPLEMENTAR: aprovada por maioria absoluta (artigo 69 da CF/88).
LEI ORDINÁRIA: aprovada por maioria simples (artigo 47 da CF/88).

Exemplificando, imaginemos que seja necessária a aprovação das espécies normativas no Senado Federal, que possui o total de 81 Senadores. A aprovação de uma lei complementar exigirá o mínimo de 41 votos (primeiro número inteiro superior à metade do total de integrantes, o que representa o conceito de maioria absoluta). Por sua vez, a aprovação de uma lei ordinária dependerá da maioria simples do número de Senadores presentes em alguma Sessão: caso estejam presentes 50 Senadores, por exemplo, a maioria simples para aprovar uma lei ordinária será de 26 Senadores. Caso estejam presentes 60 Senadores, a maioria simples será de 31 Senadores. Caso estejam presentes 75 Senadores, a maioria simples será de 38 Senadores, e assim sucessivamente.

Sendo assim, a maioria simples representa o primeiro número inteiro superior à metade dos presentes, enquanto a maioria absoluta representa o primeiro número inteiro superior à metade dos membros. É importante ter em mente que, enquanto o número correspondente à maioria absoluta é fixo, a maioria simples representa um número variável, a depender da quantidade de pessoas presentes no dia específico.

(2) Matéria: trata-se do assunto a ser tratado por meio da lei ordinária ou da lei complementar. A diferença é a seguinte:

LEI COMPLEMENTAR: exigida em matérias específicas da Constituição.
LEI ORDINÁRIA: exigida de modo residual, nos casos em que não houver a expressa exigência de lei complementar.

Exemplificando, nota-se que há artigos da Constituição que expressamente exigem a edição de lei complementar para tratar das matérias neles versadas, como ocorre com o artigo 18, § 2º (criação de Território Federal) e com o artigo 93, caput (edição do Estatuto da Magistratura de iniciativa do STF). Nos demais casos, a princípio, torna-se possível a edição de lei ordinária, ressalvadas as hipóteses em que se exigir outro veículo normativo específico.