Pesquisar este blog

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Constituição Não-Escrita?

Um dos primeiros temas enfrentados em um curso de Teoria Constitucional envolve a classificação das Constituições. Após citar diversos critérios, a doutrina brasileira costuma diferenciar dois tipos de Constituição quanto à forma: escritas e não escritas.

Vale a pena transcrever alguns trechos para demonstrar o que alguns autores pensam a propósito da definição mencionada:

1. Dirley da Cunha Júnior: "(...) Constituição escrita, ou instrumental, é aquela cujas normas - todas escritas - são codificadas e sistematizadas em texto único e solene, elaborado racionalmente por um órgão constituinte. Vale dizer, cuida-se da Constituição em que as suas normas são documentadas em um único instrumento legislativo, com força constitucional (...). Constituição não-escrita, ou costumeira, é aquela cujas normas não estão plasmadas em texto único, mas que se revelam através dos costumes, da jurisprudência e até mesmo em textos constitucionais escritos, porém esparsos, como é exemplo a Constituição da Inglaterra (...)" (Curso de Direito Constitucional. 3 ed. revista, ampliada e atualizada. Salvador: JusPODIVM, 2009, pp. 116-117).

2. Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho e Paulo Gustavo Gonet Branco: "(...) Quanto à forma - uma classificação cuja utilidade parece restringir-se a contemplar a singularidade da experiência constitucional inglesa -, as constituições são escritas ou não escritas, conforme se achem consolidadas em texto formal e solene, ou se baseiem em usos e costumes, conveções e textos esparsos, bem assim na jurisprudência sedimentada em torno desses elementos de índole constitucional (...)" (Curso de Direito Constitucional. 2 ed. revista e atualizada. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 15).

3. Luís Roberto Barroso: "(...) Quanto à forma. Tal classificação diz respeito à forma de veiculação das normas constitucionais. Sob esse critério, as Constituições podem ser: a) escritas - quando sistematizadas em um texto único, de que é exemplo pioneiro a Constituição americana; ou b) não escritas - quando contidas em textos esparsos e/ou costumes e convenções sedimentados ao longo da história, como é o caso, praticamente isolado, da Constituição inglesa" (Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 80).

4. Manoel Jorge e Silva Neto: "(...) Quanto à forma podem ser consideradas escritas e não escritas. Escritas são as constituições cuja disciplina da vida do Estado é inserida completamente em texto escrito. Não-escrita é a constituição que se ampara nos costumes e na jurisprudência (...)" (Curso de Direito Constitucional. 4 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 39).

5. Kildare Gonçalves Carvalho: "(...) 3. quanto à forma: Constituições costumeiras ou históricas e Constituições escritas. Costumeiras ou históricas são as Constituições formadas por usos e costumes válidos como fontes de direito, como, por exemplo, as Convenções da Constituição, que se referem à reunião anual do Parlamento, à demissão do Gabinete, à dissolução da Câmara dos Comuns, na Inglaterra. Acentue-se, contudo, que há na Constituição inglesa normas escritas que compõem a Constituição histórica. Embora se faça referência à Constituição inglesa, trata-se da Constituição do Reino Unido, que vige na Inglaterra, País de Gales, Escócia e Irlanda do Norte. (...) Escritas são as Constituições cujas normas se acham expressas em um ou vários documentos escritos (...)" (Direito Constitucional. 15 ed. rev. atual. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2009, p. 291).

Após o exame dos autores mencionados pode-se perceber que o critério distintivo reside na organização ou não dos temas constitucionais em um texto único. Sendo assim, podemos chegar a conclusão de que talvez fosse melhor, para facilitar a compreensão, substituir a nomenclatura por constituições sistematizadas ou não sistematizadas. Acredito que geraria menor confusão do que utilizar a expressão não-escrita, que pode conduzir a conclusões equivocadas no momento do aprendizado.

Por fim, uma pergunta interessante formulada em sala de aula e que merece um atenção especial: será que haveria algum outro exemplo de Constituição não-escrita que não a inglesa?

Um dos autores citados responde a essa pergunta em uma nota de rodapé! O Professor Luís Roberto Barroso, na obra citada acima, menciona que Israel e Nova Zelândia seriam outros exemplos de países dotados de Constituição não-escrita (cf. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 80, nota de rodapé nº 20).

8 comentários:

  1. Colega Gabriel, bom dia!

    Concordo contigo quanto ao equívoco em classificar o fenômeno constitucional inglês em uma categoria de "Constituição não escrita". Mais correto seria denominá-la de Constituição esparsa, já que suas normas decorrem de vários documentos autônomos.

    Não acha que a classificação de Constituição não escrita estaria mais ligada à Constituição antiga, em que predominava uma idéia fática/sociológica de Constituição baseada na tradição? Digo isso porque neste período histórico as sociedades rudimentares não eram reguladas por normas escritas, mas por normas decorrentes das tradições vividas por aqueles povos.

    Grande abraço.

    Cláudio Colnago
    www.colnago.adv.br

    ResponderExcluir
  2. Caro Cláudio,

    Primeiramente, fico feliz que tenha gostado do comentário! A ideia foi justamente tentar simplificar um conceito que pode acabar gerando equívocos em sua apreensão pelo aluno no processo de aprendizado...

    Acho possível usar o conceito de Constituição não-escrita no sentido que você mencionou, mas desde que haja, exclusivamente, a ênfase na existência da tradição.

    Em síntese, Cláudio: creio ser mais proveitoso abandonar o uso do termo "Constituição não-escrita" quando vierem a existir, em uma realidade constitucional, documentos escritos, como ocorre no célebre caso da Constituição inglesa.

    Espero que tenha gostado do blog e fique à vontade para comentar quando quiser!

    Um grande abraço!

    Gabriel

    ResponderExcluir
  3. Acredito que a maior fonte de incertezas que rodeiam a classificação Constituição Escrita X Constituição Não Escrita é a irritante e reiterada atitude dos autores em omitirem-se em relação a qual das acepções da palavra "constituição" está sendo emprega.

    Perceba! Constituição é AQUELA cujas...(Dirley da Cunha Junior) Constituição é escrita QUANDO ... (Luis Roberto Barroso) [Constituições] escritas são as constituições.

    ResponderExcluir
  4. Antes de perguntar: O que é constituição escrita? O que é constituição não escrita?

    devemos perguntar:"O que é constituição?" "Qual o sentido da palavra constituição está sendo utilizado?"

    A palavra "Constituição" não está sendo empregada no sentido de "documento legislativo solene e supremo de um Estado", pois essa acepção não comportaria a classe "Constituição Não Escrita".

    Para entender a dicotomia escrita-não escrita, diria que "constituição" é um todo, um somatório de partes.

    Apropriando-me livremente das ideias de Manoel Jorge e Silva Neto, diria que esse "todo" tem a finalidade de disciplinar a vida do Estado.

    ResponderExcluir
  5. CONSTITUIÇÃO é o conjunto de normas eleitas pelo Estado como fundamentais para a sua atuação.

    Quando todas as normas desse conjunto puderem ser extraídas de um único instrumento legislativo escrito, temos uma CONSTITUIÇÃO ESCRITA.

    Quando pelo menos uma parte dessas normas "seletas" não puder ser deduzida do mesmo documento legal que as demais, temos uma CONSTITUIÇÃO NÃO ESCRITA.

    ResponderExcluir
  6. concluindo,

    CONSTITUIÇÃO ESCRITA é o conjunto de normas eleitas pelo Estado como fundamentais para a sua atuação, sistematizado a partir de um único instrumento legislativo.

    CONSTITUIÇÃO NÃO ESCRITA é o conjunto de normas eleitas pelo Estado como fundamentais para a sua atuação, extraído de fontes jurídicas diversas e autônomas entre si.

    Allan Ribeiro.

    ResponderExcluir
  7. Prezado Gabriel,

    Gostaria que me ajudasse a elucidar essa questao do concurso do TJBA-Magistratura de 2005, elaborada pelo CESPE, pois fiquei com uma dúvida:

    Julgue os itens que se seguem, quanto à teoria da constituição,às classificações das constituições, à aplicabilidade e à interpretação das normas constitucionais e ao poder constituinte.

    item 21 -A propósito da classificação das constituições quanto à forma, a grande vantagem das escritas sobre as não-escritas é a estabilidade que as primeiras propiciam, pois, devido à ausência de suporte escrito, as constituições não-escritas são muito mais facilmente modificáveis.

    O gabarito foi considerar o teim como ERRADO.

    Aproveitando a questão, surgiu a minha dúvida: existe alguma vantagem das constituicoes escritas sobre as nao escritas, principalmente se levarmos em consideração o fato de que a tendencia é que as constituicoes escritas sejam, no que diz respeito ao criterio de classificacao ESTABILIDADE, rígidas e nao flexíveis?

    um abraço e obrigado!

    ResponderExcluir
  8. Meu caro, de fato não é possível associar a Constituição escrita, necessariamente, a um regime mais estável, já que o fato de o texto ser sistematizado não conduz, de imediato, à preservação do seu conteúdo ao longo do tempo. Acredito que a maior vantagem é a organização e clareza na exposição dos assuntos...abraço!

    ResponderExcluir